Rodrigo: “Ana, minha querida, dizem que o amor acaba e que o amor termina. Mas não é verdade, nada acaba, tudo dura, continua e se transforma. Enquanto aguardava aquela cirurgia, mil anos se passaram as duas estavam lá dentro e eu pensava se acontecia alguma coisa com elas eu morro. Dizem que passa um filme da vida na nossa cabeça e por isso eu vi, vi vocês duas meninas chegando na nossa casa, vi nós três juntos, ainda pequenos em tantos e tantos momentos. Vi você erguendo taças, troféus, tua imagem nas revistas inacessível, distante da criança que eu era e que você era também. Depois a nossa fuga de casa e o nosso medo, e a nossa coragem e o salto sem rede que tantas vezes se chama amor. Vi você indo embora, sendo levada de diferentes formas. Tantas e tantas vezes. E depois vi você voltando e no fundo do seus olhos como num rio, tudo que a gente não tinha vivido. A partir daí eu me vi dividido. Entre dois amores, entre duas vidas. Uma que eu estava vivendo e outra que eu jamais tinha podido viver. Durante os meus pirores momentos enquanto eu aguardava naquela sala, como se a doença da nossa filha tivesse me curado. Eu entendi que não tinha mais divisão nenhuma. O que tinha sido vivido, que tinha ficado pra trás, tudo.. era parte de uma mesma história, de uma mesma vida e de um mesmo sentimento. Amor. E foi então que eu vi nóis dois, juntos, cruzando fronteiras.” —
Ana: “Como se eu tivesse alcançado a outra margem de um rio, o rio onde a gente se amou pela primeira vez, o rio do meu acidente. Mas sempre um rio. E porque naquele momento eu precisava ser forte finalmente sem escapes eu consegui atravessar aquele rio eterno. Como se num instante eu tivesse vivido todos os anos que ainda estavam parados em mim. Me esperando. Do outro lado da fronteira que sem perceber, nós já tinhamos cruzado, uma infância compartilhada, uma adolescência troncada, uma juventude não vivida. Do lado de cá, dois adultos maduros finalmente libertos daquele fardo pesado, feito de lembraças, de sonhos antigos. Porque á novos sonhos do lado de cá da fronteira. E agora, podemos viver.” —
A vida da gente
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